GAMPES: 2023.0017.4544-56
DECISÃO PGJ/RECOMENDAÇÃO/PORTARIA 04968656
Trata-se do ofício eletrônico nº 10652/2023 (ID 04959317), de lavra do Excelentíssimo Ministro Alexandre de Moraes do c. Supremo Tribunal Federal, encaminhado a esta Procuradora-Geral de Justiça para fiscalização da implementação de providências cautelares que deferiu no bojo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 976/DF, no dia 25 de julho de 2023.
Anexo ao ofício constam cópias da mencionada decisão e de despacho determinando a notificação dos Procuradores-Gerais de Justiça dos Parquet estaduais e do Distrito Federal e Territórios.
Na origem, a ADPF nº 976/DF se refere ao “estado de coisas inconstitucional concernente às condições desumanas de vida da população em situação de rua no Brasil”, ocasião em que os requerentes sustentaram que a precária qualidade de vida da população em situação de rua decorre de reiteradas omissões dos Poderes Executivo e Legislativo. Apontaram que “o contexto da população em situação e rua tornou-se ainda mais agudo no período pós-pandêmico, em que houve uma intensificação da crise econômica e social no país” e que “o estado de completa omissão estatal impõe a adoção de técnicas utilizadas pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a fim de solucionar graves afrontas aos direitos fundamentais”.
Tal como ressaltado pelo e. Ministro, a ADPF nº 976/DF consubstancia verdadeiro processo estrutural que almeja (i) prevenir o aumento do número de indivíduos em situação de rua, (ii) garantir direitos no período em que o indivíduo está em situação de rua e, finalmente, (iii) possibilitar condições para que as pessoas saíam das ruas.
Quanto ao atual aumento da população em situação de rua e as dificuldades intrínsecas à sua vivência digna, cabe ressaltar dados trazidos na r. decisão:
o IPEA afirma haver crescimento de 211% na população em situação de rua, na última década (2012 a 2022), porcentagem bastante desproporcional ao aumento de 11% da população brasileira em período similar (2011 a 2021), segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). […]
Quanto ao acesso à documentação, constatou-se que 82% das pessoas em situação de rua possuíam documentação, enquanto 18% declarou não possuir documentos.[…]
Esses diferentes grupos apresentam necessidades e demandas particulares, como o referido impedimento ao acesso a centros de acolhida a pessoas LGBTQ+, ou ainda o fato de 12,7% das pessoas do sexo feminino estar em condição de pobreza menstrual, pois não fazem uso regular de absorventes ou coletores – recorrendo ao uso panos, papéis ou não utilizam nenhum tipo de material absorvente. […]
Por último, quanto aos motivos que seriam capazes de auxiliar a saída das ruas, destacaram-se os seguintes estímulos: emprego fixo; moradia permanente; benefícios financeiros; retorno à casa da família e; superação da dependência química. Apenas 2,4% afirmou não desejar sair das ruas.
Diante disso, tendo o presente feito conjunturas estruturais, cuja conceituação refere-se aos processos "em que se discutem questões altamente complexas, relativas a direitos fundamentais e em que se busca interferir na estrutura de entes ou instituições ou em políticas públicas" (ZANETI JR., Hermes; DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro, Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, nº 75, jan./mar. 2020), foram concedidas medidas específicas em sede de tutela provisória, a serem cumpridas pelos Poderes Executivos Municipais, Distritais e Estaduais, vejamos:
CONCEDO PARCIALMENTE A CAUTELAR, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, TORNANDO OBRIGATÓRIA a observância pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, imediata e independentemente de adesão formal, das diretrizes contidas no Decreto Federal nº 7.053/2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e DETERMINO, respeitadas as especificidades dos diferentes grupos familiares e evitando a separação de núcleos familiares: […]
(II) Aos PODERES EXECUTIVOS MUNICIPAIS E DISTRITAL, bem como onde houver atuação, aos PODERES EXECUTIVOS FEDERAL E ESTADUAIS que, no âmbito de suas zeladorias urbanas e nos abrigos de suas respectivas responsabilidades:
II.1) Efetivem medidas que garantam a segurança pessoal e dos bens das pessoas em situação de rua dentro dos abrigos institucionais existentes;
II. 2) Disponibilizem o apoio das vigilâncias sanitárias para garantir abrigo aos animais de pessoas em situação de rua;
II.3) Proíbam o recolhimento forçado de bens e pertences, assim como a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua;
II.4) Vedem o emprego de técnicas de arquitetura hostil contra as populações em situação de rua, bem como efetivem o levantamento das barreiras e equipamentos que dificultam o acesso a políticas e serviços públicos, assim como mecanismos para superá-las;
II.5) No âmbito das zeladorias urbanas:
II.5.1) Divulguem previamente o dia, o horário e o local das ações de zeladoria urbana nos seus respectivos sites, nos abrigos, e outros meios em atendimento ao princípio da transparência dos atos da administração pública permitindo assim que a pessoa em situação de rua recolha seus pertences e que haja a limpeza do espaço sem conflitos;
II.5.2) Prestem informações claras sobre a destinação de bens porventura apreendidos, o local de armazenamento dos itens e o procedimento de recuperação do bem;
II.5.3) Promovam a capacitação dos agentes com vistas ao tratamento digno da população em situação de rua, informando-os sobre as instâncias de responsabilização penal e administrativa;
II.5.4) Garantam a existência de bagageiros para as pessoas em situação de rua guardarem seus pertences;
II.5.5) Determinem a participação de agentes de serviço social e saúde em ações de grande porte;
II.5.6) Disponibilizem bebedouros, banheiros públicos e lavanderias sociais de fácil acesso para população em situação de rua;
II.5.7) Realizem inspeção periódica dos centros de acolhimento para garantir, entre outros, sua salubridade e sua segurança;
II.6) Realização periódica de mutirões da cidadania para a regularização de documentação, inscrição em cadastros governamentais e inclusão em políticas públicas existentes;
II.7) Criação de um programa de enfrentamento e prevenção à violência que atinge a população em situação de rua;
II.8) Formulação de um protocolo intersetorial de atendimento na rede pública de saúde para a população em situação de rua;
II.9) Ampla disponibilização e divulgação de alertas meteorológicos, por parte das Defesas Civis de todos os entes federativos, para que se possam prever as ondas de frio com a máxima antecedência e prevenir os seus impactos na população em situação de rua;
II.10) Disponibilização imediata:
II.10.1) Pela defesa civil, de barracas para pessoas em situação de rua com estrutura mínima compatível com a dignidade da pessoa humana, nos locais nos quais não há número de vagas em número compatível com a necessidade;
II.10.2) A disponibilização de itens de higiene básica à população em situação de rua.
(III) Aos PODERES EXECUTIVOS MUNICIPAIS E DISTRITAL, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a realização de diagnóstico pormenorizado da situação nos respectivos territórios, com a indicação do quantitativo de pessoas em situação de rua por área geográfica, quantidade e local das vagas de abrigo e de capacidade de fornecimento de alimentação.
Consta, ainda, do decisium, o comando de que fossem comunicados “o Presidente da República, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e os Prefeitos Municipais, para ciência e imediato cumprimento desta decisão”, posteriormente complementado pelo despacho que indicou a “cientificação dos Procuradores-Gerais de Justiça dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, encaminhando-lhes cópia da decisão proferida em 25/07/2023 (doc. 584), para que possam fiscalizar a implementação das providências cautelares determinadas”.
Pois bem.
Ciente de todos os termos da Medida Cautelar concedida na ADPF nº 976/DF.
Adoto os judiciosos e bem lançados fundamentos, para os fins deste ato ministerial, no âmbito da competência constitucional e legal desta Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, fixando minha atribuição funcional ao presente feito, com base no comando dado pelo e. Ministro do STF e nos termos do art. 30, IX, da Lei Complementar Estadual nº 95/1997 (Lei Orgânica do MPES).
Passo, então, a conferir efetividade concreta à decisão do e. Ministro Alexandre de Moraes.
Nesse ínterim, cabe enfatizar que a fiscalização das medidas determinadas no bojo deste processo estrutural correlacionam-se com as próprias funções institucionais do Ministério Público do Estado do Espírito Santo de promover a proteção dos direitos dos cidadãos, do interesse social e dos individuais indisponíveis, incluindo-se a dignidade das pessoas em situação de rua. Vide:
Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Espírito Santo:
Art. 27. São funções institucionais do Ministério Público, nos termos da legislação aplicável: […]
X - exercer a defesa dos direitos do cidadão assegurados nas Constituições Federal e Estadual; [...]
XIV - promover a defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, com vista ao pleno exercício da cidadania; [...]
XV - exercer a defesa do interesse público;
Assim, tendo em vista a amplitude da determinação direcionada a esta PGJ e a necessidade de se acompanhar de maneira contínua a tomada de providências por parte dos gestores públicos, determino a instauração de Procedimento Administrativo finalístico, nos termos do art. 33, II e IV, da Resolução nº 006/2014/COPJ.
Publique-se a presente decisão/portaria.
Retifique-se a autuação.
Por fim, estabeleço as seguintes diligências iniciais no âmbito deste PA de acompanhamento da efetivação da Medida Cautelar na ADPF nº 976/DF no Estado do Espírito Santo:
RECOMENDO aos Excelentíssimos Senhores Governador do Estado, Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, bem como aos Prefeitos Municipais do Espírito Santo, a imediata adoção de medidas visando o cumprimento da decisão proferida pelo e. Ministro Alexandre de Moraes, notadamente:
II.1) Efetivem medidas que garantam a segurança pessoal e dos bens das pessoas em situação de rua dentro dos abrigos institucionais existentes;
II. 2) Disponibilizem o apoio das vigilâncias sanitárias para garantir abrigo aos animais de pessoas em situação de rua;
II.3) Proíbam o recolhimento forçado de bens e pertences, assim como a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua;
II.4) Vedem o emprego de técnicas de arquitetura hostil contra as populações em situação de rua, bem como efetivem o levantamento das barreiras e equipamentos que dificultam o acesso a políticas e serviços públicos, assim como mecanismos para superá-las;
II.5) No âmbito das zeladorias urbanas:
II.5.1) Divulguem previamente o dia, o horário e o local das ações de zeladoria urbana nos seus respectivos sites, nos abrigos, e outros meios em atendimento ao princípio da transparência dos atos da administração pública permitindo assim que a pessoa em situação de rua recolha seus pertences e que haja a limpeza do espaço sem conflitos;
II.5.2) Prestem informações claras sobre a destinação de bens porventura apreendidos, o local de armazenamento dos itens e o procedimento de recuperação do bem;
II.5.3) Promovam a capacitação dos agentes com vistas ao tratamento digno da população em situação de rua, informando-os sobre as instâncias de responsabilização penal e administrativa;
II.5.4) Garantam a existência de bagageiros para as pessoas em situação de rua guardarem seus pertences;
II.5.5) Determinem a participação de agentes de serviço social e saúde em ações de grande porte;
II.5.6) Disponibilizem bebedouros, banheiros públicos e lavanderias sociais de fácil acesso para população em situação de rua;
II.5.7) Realizem inspeção periódica dos centros de acolhimento para garantir, entre outros, sua salubridade e sua segurança;
II.6) Realização periódica de mutirões da cidadania para a regularização de documentação, inscrição em cadastros governamentais e inclusão em políticas públicas existentes;
II.7) Criação de um programa de enfrentamento e prevenção à violência que atinge a população em situação de rua;
II.8) Formulação de um protocolo intersetorial de atendimento na rede pública de saúde para a população em situação de rua;
II.9) Ampla disponibilização e divulgação de alertas meteorológicos, por parte das Defesas Civis de todos os entes federativos, para que se possam prever as ondas de frio com a máxima antecedência e prevenir os seus impactos na população em situação de rua;
II.10) Disponibilização imediata:
II.10.1) Pela defesa civil, de barracas para pessoas em situação de rua com estrutura mínima compatível com a dignidade da pessoa humana, nos locais nos quais não há número de vagas em número compatível com a necessidade;
II.10.2) A disponibilização de itens de higiene básica à população em situação de rua.
(III) Aos PODERES EXECUTIVOS MUNICIPAIS E DISTRITAL, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a realização de diagnóstico pormenorizado da situação nos respectivos territórios, com a indicação do quantitativo de pessoas em situação de rua por área geográfica, quantidade e local das vagas de abrigo e de capacidade de fornecimento de alimentação.
Além disso, para fins de proporcionar a fiscalização deste Parquet quanto às medidas tomadas, determino que sejam confeccionados RELATÓRIOS DE CUMPRIMENTO DAS DETERMINAÇÕES DA ADPF 976/DF no âmbito do Governo do Estado do Espírito Santo e das Prefeituras Municipais, para posterior encaminhamento a esta Procuradoria-Geral de Justiça e à Corte Suprema.
No que se refere ao comando de “realização de diagnóstico pormenorizado da situação nos respectivos territórios, com a indicação do quantitativo de pessoas em situação de rua por área geográfica, quantidade e local das vagas de abrigo e de capacidade de fornecimento de alimentação”, requisito aos Prefeitos Municipais que também os encaminhem a esta Procuradoria-Geral de Justiça, para conferência e juntada neste PA.
Comuniquem-se aos Centros de Apoio Operacionais deste Parquet: CACC - Defesa da Cidadania; CACO - Defesa Comunitária; CAIJ - Infância e Juventude, para que informem se existem procedimentos finalísticos (inquéritos civis, procedimentos preparatórios e notícias de fato) instaurados no âmbito das promotorias, que tenham objeto que se identifique, total ou parcialmente, com a ADPF nº 976/DF.
Oficie-se ao e. Ministro Alexandre de Moraes, como cópia desta Decisão/Portaria/Recomendação.
Oficie-se aos Excelentíssimos Senhores Governador do Estado, Secretário de Estado de Saneamento, Habitação e Desenvolvimento Urbano, bem como a todos Prefeitos Municipais do Espírito Santo, com cópia desta Decisão/Portaria/Recomendação.
Cientifique-se, para ciência e eventual adoção das providências cabíveis, todas as membras e membros do MPES com atribuição na matéria relativa à LOAS.
Cientifique-se a carreira, mediante envio de cópia desta ao mpmembros.
Diligencie-se, com urgência.
Vitória, 26 de agosto de 2023.
LUCIANA GOMES FERREIRA DE ANDRADE
PROCURADORA-GERAL DE JUSTIÇA
Este texto não substitui o original publicado no Dimpes de 30/08/2023